
No mundo de fantasias e aventuras dos animes e mangás nada é impossível, desde usar galáxias como armas até voltar dos mortos são trupes bem conhecidas… como esquecer de um campo de futebol no qual podemos ver a linha do horizonte?! A imaginação é o limite. Mas quando falamos de poderes variados e formas engenhosas de utilizá-los um grande anime nos vem em mente: One Piece (ワンピース), escrito e ilustrado por Eiichiro Oda (尾田 栄一郎).
Tanto o anime quanto o mangá contam a história de Monkey D. Luffy, autoproclamado próximo Rei dos Piratas, e sua tripulação em busca do tesouro One Piece. Contudo, ele não é apenas um menino; como muitos outros personagens, consumiu uma “Fruta do Diabo” (悪魔の実), capaz de dar diversos poderes a quem as comeu, desde transformações animalescas (Zoan), a habilidades corporais diversas (Paramecia) e a transformar seu corpo em elementos (Logia). Mais especificamente, no caso de Luffy, a fruta deu a seu corpo propriedades de um homem-borracha(ゴム人間 ): é a Gomu Gomu no Mi (ゴムゴムの実 ヒトヒトの実 モデル“ニカ). Se você vem acompanhando os últimos capítulos, agora sabemos que ela não é algo tão simples assim, mas vamos voltar ao nosso foco! Um homem de borracha. Primeiro vamos deixar claro que não iremos usar a borracha (látex) como base de nossa reflexão, e sim uma proteína existente em nosso corpo que possui propriedades elásticas, que implica em uma única diferença primordial: esse homem não seria imune à eletricidade.
Como um homem de borracha funcionaria na vida real? Seria possível sobreviver com um corpo totalmente elástico? Provavelmente não… mas nosso corpo é mais elástico do que muitos imaginam, e diferentes partes dele possuem diferentes níveis de elasticidade: isso se deve principalmente a um dos pequenos componentes que compõem a nossa existência, a elastina, uma proteína de função estrutural que forma fibras elásticas. Portanto, para brincarmos um pouco discutindo essa possível fisiologia de um homem de borracha, vamos abordar dois pontos de vistas diferentes. No primeiro, consideraremos que todos os tecidos do corpo possuiriam um maior conteúdo de fibras elásticas. O segundo seria mais próximo da fantasia, com todos os componentes dos tecidos possuindo características elásticas. Além disso, iremos discutir numa segunda parte um pouco sobre os poderes e habilidades que o futuro rei dos piratas utiliza como Gomu Gomu no Pistol (ゴムゴムの銃(ピストル)), Gomu Gomu no Fusen (ゴムゴムの風船), Gomu Gomu no Baku Baku (ゴムゴムのバクバ), Gear Second (ギア2セカンド) e Gear Third (ギア3(サード).
O homem de elastina, quando todo o corpo possui uma matriz elástica
A elastina é altamente elástica, permitindo que muitos tecidos do corpo retomem a sua forma após alongamento ou contração. Por exemplo, ela ajuda a pele a retornar à sua posição original quando é cutucada ou beliscada. Além disso, a elastina também é um importante suporte de carga nos vertebrados, estando em locais onde a energia mecânica é armazenada. Num indivíduo normal, a elastina está junto de outras proteínas e possui importantes funções em locais como as artérias, controlando o fluxo sanguíneo, pulmões, ligamentos elásticos, cartilagem elástica, pele e bexiga.
Em nossa primeira hipótese – o homem de elastina – essa proteína estaria presente em outros tecidos, ou melhor, em todos os tecidos… isso daria elasticidade a todo nosso corpo, mas com alguns problemas fisiológicos. Um dos mais aparentes é a limitação do espaço dos tecidos, levando, por exemplo, a um aumento do volume cerebral. Outra limitação é a dos próprios tecidos: embora haja a presença de fibras elásticas nos ossos, a própria calcificação do osso não permite o estiramento. Outro exemplo está nas fibras musculares, que por si só possuem um estiramento muito menor do que as fibras elásticas!
Portanto o homem de elastina seria praticamente inviável e pouco glamoroso, não muito como o nosso querido protagonista! O maior conteúdo de elastina deixaria a pele flácida, nossas juntas sofreriam com hiperestiramento e os órgãos que não possuem esse tipo de tecido conjuntivo teriam que ser adaptados, como por exemplo, uma cabeça maior para armazenar o tecido nervoso em conjunto com os neurônios ou uma perda dos mesmos para manter-se o volume da caixa craniana.
O homem com propriedades elásticas, quando todos os tipos celulares são elásticos
Contudo, as coisas ficam mais interessantes do outro ponto de vista, um pouco mais extremo… e se todas as outras células que compõem nosso Mecha de carne e osso tivessem propriedades elásticas como a elastina?! Todos os movimentos e habilidades do nosso protagonista seriam muito mais aplicáveis… ou não.
Nesse ponto de vista, precisamos pensar em duas questões principais. A primeira é a questão da sustentação e direção do movimento: o corpo humano é como uma máquina movida por articulações com direções definidas, músculos que estão sempre tensionados ou contra-tensionados e um fino balanço/equilíbrio inconsciente repleto de micro ajustes que não percebemos para todos os tipos de movimento, desde os olhos ajustando o foco e vendo nosso episódio favorito até os dedos individualmente clicando no mouse para acessar o Minuto Otaku! Um corpo altamente elástico perderia esse direcionamento do movimento e simplesmente colapsaria sem conseguirmos mexê-lo de forma simples, talvez apenas com muito treino e percepção corporal seríamos capazes de fazer algo.
A segunda questão é mais primordial e talvez a mais essencial que muitas vezes ignoramos: quanto mais puxamos algo, menor é o diâmetro do mesmo, pois o que se ganha de comprimento se perde proporcionalmente em largura para manter o volume! Um exemplo muito prático seria o chiclete: quanto mais puxamos, mais fino ele vai ficando, até se romper. Na fisiologia dos homens essa propriedade seria a perdição da habilidade de se esticar, caso o primeiro questionamento não se aplicasse! O estiramento de estruturas essenciais como os neurônios e vasos sanguíneos pode gerar comprometimentos diversos. A espessura dos neurônios é responsável pela propriedade de transmissão dos impulsos elétricos, deixando os reflexos mais lentos devido propriedades dos impulsos nervosos, já o sangue reduziria o volume sanguíneo circulante na região. Num nível celular, o próprio estiramento é capaz de modificar funções vitais da célula como a respiração celular, além de ativar de maneira errônea receptores na superfície delas que identificam exatamente isso, o estiramento. Não apenas o estiramento, mas a contração exagerada também promove diversos problemas, o aumento da cavidade abdominal pode dificultar a respiração, o coração possui uma íntima relação com o aumento e diminuição do volume de sangue e a pressão exercida sobre suas paredes — também chamado de Mecanismo de Frank-Starling. O próprio aumento da superfície corporal faria que ocorresse uma maior perda de calor no ambiente… Mesmo com tudo alinhando perfeitamente, um homem com propriedades elásticas como nosso querido capitão seria praticamente inviável usando a fisiologia humana…

Conclusões
Claramente, estamos apenas pensando em possiblidades, pois muitas coisas não fazem sentido na ficção… bom, elas não precisam fazer sentido! Porém, na vida real o excesso de elasticidade é um problema bem sério. Existe uma síndrome hereditária não progressiva nem fatal denominada de Ehlers-Danlos, conhecida também como Cutis elástica ou “síndrome do homem de borracha”, no qual há um defeito na produção de colágeno, outro componente das fibras do nosso corpo, junto da elastina. Contudo, o colágeno é responsável pela resistência à deformação, sendo o oposto dela. Ele é importante para a força física da pele, das articulações, músculos, vasos e órgãos de maneira geral, sendo um dos principais componentes dos tecidos conjuntivos. Dependendo da gravidade da doença, os problemas apresentados podem variar de leves a graves riscos de morte. Essa síndrome não possui cura e a única forma de conviver com ela inclui a consciência corporal ativa, a terapia ocupacional e cirurgias corretivas. Portanto lembrem-se: muitas vezes, essas características são legais apenas na ficção! Mesmo assim, fiquem ligados para a Parte 2 dessa matéria onde falaremos sobre a ficção versus a realidade de algumas técnicas do nosso querido chapéu de palha, comparando com seres vivos do nosso planeta, alguns deles podem ser tão estranhos… quanto a ficção!
Co-autor do artigo: André Almo
Agradecimentos aos professores Ronald Marques e Regina Kubrusly e ao médico Klaus Provenzano que apesar de não entenderem nada sobre anime realizaram uma consultoria teórica as minhas hipóteses e me ajudaram na confecção do texto, levando a sério minhas perguntas sobre um personagem fictício!
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